Códigos de Produto em ERPs: Por que evitar a estruturação com significado embutido?

PUBLICADO POR:

Giovanna CipulloGiovanna Cipullo

ATUALIZADO EM:

30 de Abril de 2025

A codificação de produtos é um elemento fundamental em qualquer implementação de ERP, impactando diretamente a gestão de materiais, processos logísticos e toda a cadeia de suprimentos.

Apesar do apelo inicial dos códigos estruturados (que embutem informações como família, grupo e subgrupo),a experiência prática e os padrões internacionais demonstram que esta abordagem frequentemente leva a problemas significativos no médio e longo prazo.

Princípio fundamental a considerar: Quanto menos inteligência colocamos no identificador, mais liberdade temos de evoluir o portfólio.

Conceito de Código Estruturado

O código estruturado utiliza uma sequência de caracteres onde cada segmento ou posição representa uma informação específica sobre o item, como:

  • Família de produtos
  • Grupo
  • Subgrupo
  • Tipo de material (acabado, semi-acabado, matéria-prima)

Exemplo: Um código como “10.05.02.0001”, onde:

  • “10” = Família (ex: Cosméticos)
  • “05” = Grupo (ex: Shampoo)
  • “02” = Subgrupo (ex: Anti-caspa)
  • “0001” = Sequencial dentro do subgrupo

A aparente vantagem e sua compensação

A principal (e talvez única) vantagem real dos códigos estruturados é a facilidade de identificação visual – permitindo reconhecer características do produto olhando apenas para o código, sem consultar outros campos.

No entanto, essa única vantagem é facilmente compensada nos sistemas modernos por:

  • Campos de classificação separados que mantêm as mesmas informações, mas de forma mais flexível
  • Consultas e filtros personalizados que permitem visualizar produtos por qualquer atributo
  • Relatórios dinâmicos que agrupam produtos por família, grupo ou qualquer outro atributo desejado

O aparente benefício da visualização imediata não justifica os múltiplos problemas que surgem a médio e longo prazo, conforme discutido a seguir.

Os problemas críticos do Código Estruturado

1. Imutabilidade vs. Dinâmica de negócios

Problema fundamental: Uma vez criado um código com classificações embutidas (família/grupo/subgrupo),essas classificações ficam “congeladas” permanentemente, mesmo quando a natureza do produto evolui.

Segundo Jacobs e Chase (2018) em “Operations and Supply Chain Management”, a rigidez dos códigos estruturados é uma das principais causas de inconsistências em cadastros de produtos no longo prazo.

2. Impossibilidade de reclassificação

É crucial entender: alterar um código depois de criado e utilizado é impossível. Quando um produto precisa ser reclassificado (mudança de família ou grupo),existe apenas um caminho:

  • Criar um novo código: O que inevitavelmente causa perda do histórico (vendas, custos, movimentações) e duplicidade no cadastro

Todas as outras abordagens são inviáveis na prática:

  • Manter o código antigo: Gera inconsistência permanente entre o código e as características reais do produto
  • Alterar o código existente: Inviável em sistemas produtivos – compromete toda a rastreabilidade e causa problemas em documentos fiscais já emitidos, etiquetas impressas e integrações existentes

Conforme Wallace e Kremzar (2001),até 30% dos itens em empresas de manufatura sofrem algum tipo de reclassificação durante seu ciclo de vida – um número significativo de produtos que enfrentarão problemas.

3. Limitações na expansão de classificações

Códigos estruturados impõem limites rígidos:

  • Se uma família ultrapassa o número de posições disponíveis (ex: mais de 99 famílias em um segmento de 2 dígitos),todo o esquema de codificação precisa ser revisado
  • A inclusão de novas categorias ou atributos raramente é possível sem reestruturação completa do cadastro

4. Problemas em ambientes multi-empresa

É importante ressaltar:

  • A classificação do produto (família, grupo, subgrupo) não é multiempresa
  • O mesmo código é utilizado para todas as empresas do grupo

Isso cria uma rigidez adicional: se um produto precisar ser classificado diferentemente em empresas distintas, não será possível refletir isso no código estruturado, gerando inconsistências ou forçando a criação de códigos duplicados.

5. Obstáculos em integrações

Sistemas externos (e-commerce, B2B, EDI) e parceiros comerciais frequentemente têm limitações quanto ao tamanho e formato de códigos, gerando problemas de compatibilidade que podem afetar negócios.

6. Contradição com padrões globais

Os padrões globais explicitamente desaconselham significado embutido nos códigos. O padrão GS1, referência mundial em codificação de produtos, define a “não-significância” como princípio fundamental:

Segundo a GS1 (2022) em “GS1 General Specifications”:

“O GTIN (Global Trade Item Number) é apenas uma chave de identificação, e dados de classificação como Segmento, Família e Brick devem ser mantidos em campos próprios, não no identificador.”

Esta recomendação é baseada em décadas de experiência prática com problemas de inflexibilidade em códigos estruturados.

Evidências do mercado

De acordo com um estudo publicado pelo Aberdeen Group (2019):

  • 67% das empresas que implementaram códigos estruturados relataram problemas de reclassificação nos primeiros 5 anos
  • 42% precisaram realizar projetos de recadastramento completos devido a inconsistências geradas por mudanças nas classificações de produtos
  • Empresas que adotam codificação sequencial com metadados relacionais reportam 78% menos problemas de manutenção no cadastro de materiais

Esses dados confirmam que os problemas teóricos mencionados anteriormente são, de fato, obstáculos reais e significativos enfrentados por empresas que optam por códigos estruturados.

A abordagem recomendada

Código sequencial + Campos de classificação separados

A estratégia mais flexível e sustentável é:

  • Código principal: Sequencial e não significativo (apenas um identificador único)
  • Classificações: Em campos separados do cadastro (família, grupo, subgrupo)
  • Consultas e relatórios: Baseados nos campos de classificação

Esta abordagem permite:

  • Reclassificar produtos mantendo o mesmo código
  • Preservar todo o histórico intacto
  • Expandir classificações conforme a evolução do negócio
  • Evitar a necessidade de refazer etiquetas, notas fiscais ou integrações B2B

Como destacado pelo padrão GS1: “quanto menos inteligência colocamos no identificador, mais liberdade temos de evoluir o portfólio.”

Funcionalidades dos ERPs modernos

Os sistemas atuais oferecem recursos que tornam a abordagem sequencial tão ou mais prática que a estruturada:

  • O sistema filtra por qualquer atributo – não há necessidade de informações embutidas no código
  • Visualizações customizadas podem mostrar classificações junto ao código
  • Relatórios agrupados por família/grupo são gerados instantaneamente
  • A busca inteligente encontra produtos por qualquer atributo ou combinação de atributos

Conclusão

Embora o apelo visual dos códigos estruturados seja tentador inicialmente, a experiência prática do mercado, os padrões internacionais e as boas práticas de gestão de dados apontam claramente para evitar essa abordagem.

A codificação sequencial com classificações em campos próprios proporciona:

  • Flexibilidade para evolução do portfólio de produtos
  • Integridade histórica e rastreabilidade consistente
  • Conformidade com padrões internacionais de codificação
  • Sustentabilidade do cadastro ao longo do ciclo de vida do ERP

A decisão sobre a estrutura de codificação tem impacto direto na agilidade do negócio e na capacidade de adaptação às mudanças de mercado. Investir em uma base sólida e flexível desde o início evita custosos projetos de recadastramento no futuro.


Referências

  • Jacobs, F. R., & Chase, R. B. (2018). Operations and Supply Chain Management. McGraw-Hill Education.
  • Wallace, T. F., & Kremzar, M. H. (2001). ERP: Making It Happen: The Implementers’ Guide to Success with Enterprise Resource Planning. John Wiley & Sons.
  • GS1. (2022). GS1 General Specifications, Version 22. GS1 Global Office. Disponível em: https://www.gs1.org/standards/barcodes-epcrfid-id-keys/gs1-general-specifications
  • GS1. (2021). GTIN Management Standard. GS1 Global Office.
  • Aberdeen Group. (2019). Best Practices in Material Master Data Management.
  • Vollmann, T. E., Berry, W. L., Whybark, D. C., & Jacobs, F. R. (2005). Manufacturing Planning and Control for Supply Chain Management. McGraw-Hill.
  • APICS. (2020). APICS Dictionary, 16th Edition. APICS.

Cadastre-se em nossa newsletter

Please wait...

Obrigado por se inscrever!

COMPARTILHE

Publicado por:
Formada em Jornalismo e pós-graduada em Assessoria de Imprensa, Gestão de Comunicação e Marketing, atua como Head de Marketing na Viasoft Korp.

ARTIGOS RELACIONADOS

Digitalização Logística: O que é, estratégias e tendências

14 de maio de 2025

Continuar lendo

O que é outsourcing e como aplicá-lo estrategicamente na indústria?

06 de maio de 2025

Continuar lendo